Wellcome

sábado, 4 de agosto de 2007

O Cineasta e a Morte





Quando ela chegou, o velho cineasta já estava a sua espera. Ela veio sombria como só ela sabe ser, e ele a reconheceu logo, afinal, ele já havia retratado-a em “O Sétimo selo”. E já sabia de suas intenções, já que na vida real ela nunca vem só pra conversar. Mesmo assim ele a convidou para uma partida de xadrez.
- Xadrez não, porque demora muito e eu tenho muito trabalho a fazer, mas aceito uma partida de damas – respondeu ela.
- Até que eu não a retratei mal - disse o cineasta - Se naquela época houvesse os recursos digitais que existem hoje eu teria feito melhor. Eu poderia colocar o mesmo vazio no lugar dos seus olhos, e deixar o seu sorriso assim mais cadavérico. Eu tive que carregar na maquiagem do ator, e, às vezes o resultado era mais cômico do que trágico.
- Você se saiu bem - respondeu ela – o resultado final foi impressionante. Efeitos especiais apenas divertem os olhos. O importante é que o filme tem alma, e você sabe que de alma eu entendo...
- Como está o velho Alfred lá do outro lado?
- Você está se referindo à Hitchcock?
- Ele mesmo...
- Ele adaptou-se bem. Ele sempre lidou bem com temas mórbidos aqui, então já estava meio que preparado.
- E quanto a Fellini?
- Esse não achou a morte tão “dolce” assim... aliás, devo lhe dizer que mais tarde venho buscar outro colega seu, que por sinal, também é italiano.
- Será o Roberto Benigni?
- Não. Ele ainda tem algum tempo para desfrutar da vida, a qual ele disse ser bela. Veremos o que ele vai achar de mim...
- Quem será então?
- Não apresse as coisas. daqui a pouco vocês vão se encontrar de qualquer forma...
Na tentativa de ganhar algum tempo, Bergman, o velho cineasta, esforçou-se bastante no jogo de damas e conseguiu um empate. Assim, a conversa rolou um pouco mais. Mas veio o desempate e a Morte venceu (na vida real, ao contrário do filme, ela sempre vence no final). Então, ela levantou-se e se pôs do lado direito do cineasta e ofereceu-lhe o braço. Os dois então, caminharam lentamente até a barca vil e sinistra que os esperava.
No mesmo dia,um pouco mais tarde, em Roma, a mesma barca estacionou em frente a casa de Antonioni. Só ele viu, mais ninguém, quando aquela figura de capa preta, olhar vazio e foice na mão, caminhou em sua direção e parou em sua frente. Ele levantou-se foi ao encontro dela e disse:
- você não me é estranha...


FIM

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