Wellcome

domingo, 23 de setembro de 2007

Como é que se diz?


“... mas se um dia eu/puder te encontrar,/eu quero contar/o quanto eu sofri/por todo esse tempo que eu quis lhe falar...”

Roberto Carlos



Eu tentei dizer, mas não saiu nada. Não é nada fácil. E olha que são só três palavrinhas! Um pronome pessoal do caso reto, um pronome pessoal do caso oblíquo e um verbo no presente do indicativo... Mas como é difícil pronunciá-las! Pode ser até fácil dize-las ao telefone, no final de uma ligação, ou durante um abraço, quando os olhos estão voltados em direções opostas, mas dizer olhando diretamente nos olhos da outra pessoa é difícil.
O filme “Cinema Paradiso”, do diretor Giuseppe Tornatore, conta a história da paixão do garoto Salvatore, o Totó, pelo cinema. E também sua amizade por Genaro, o velho operador do cinematógrafo. Totó não assistia aos filmes da platéia. Ele via os filmes na sala do projetor junto com seu amigo. E ali aprendeu muito sobre cinema e sobre a vida. Na pequena cidade do interior da Itália onde o cinema ficava localizado, havia um padre que, antes do filme estrear para o público, assistia à fita sozinha com uma sineta na mão. Se houvesse alguma cena de beijo, ou alguma mulher com os ombros ou parte das costas despidos, o religioso balançava a sineta e o velho Genaro, o operador, marcava no rolo o local que ele teria que cortar. Eram tempos ainda conservadores, e assim, o público do lugar ficou um bom tempo sem assistir uma cena mais romântica.
Um dia houve um incêndio no cinema, e o velho Genaro foi salvo justamente pelo garoto Totó, mas o velho ficou cego, e o equipamento de projeção ficou inutilizado. Um empresário local bancou um equipamento mais moderno, e que não permitiria cortes nas fitas, mas o velho Genaro estava cego e não poderia operá-lo. Só que, de tanto assistir aos filmes ali da sala de projeção, o garoto Totó havia aprendido todo o funcionamento da máquina e passou a ser o novo operador. No dia em que o primeiro filme foi exibido sem cortes, na primeira cena de beijo a platéia veio a baixo em aplausos, e quando foi mostrada uma atriz com um decote mais ousado, um garoto na platéia exclamou em voz alta: “noooossa! Como ela é gostosa!”.
Por ocasião da morte de Genaro, Totó, já adulto e agora vivendo em Roma, retorna à cidade para os funerais do velho amigo que lhe ensinou muito sobre o cinema, a vida e o amor. Ao chegar lá, descobre que o velho havia lhe deixado uma caixa com um rolo de filme. Ele então fica curioso para saber o conteúdo da fita, e procura uma sala de projeção mais próxima, já que o velho Cinema Paradiso havia fechado. E quando o filme começa a rodar, qual não foi sua surpresa: lá estavam todas as cenas de beijos que o velho Genaro havia cortado de todos os filmes censurados pelo padre, e que habilmente o velho Genaro havia montado como um filme só. Era uma seqüência fantástica de beijos antológicos das grandes estrelas dos primórdios do cinema.
Agora, o que tudo isso tem a ver com as três palavras sobre as quais eu falava no início do texto? É que, imitando o velho Genaro, eu me propus a fazer uma colagem de trechos de músicas que contenham as famosas três palavras, e os que eu encontrei, além da do Roberto que eu coloquei na introdução, foram estas:
“... vem me fazer feliz, pois.................../você deságua em mim, e eu oceano,/esqueço que amar é quase uma dor.”
Djavan, em “oceano”


“......................,como se chama tua cor?/cada dia abrindo o véu de nossa dor...”
Beto Guedes em “lágrimas de amor”


“como quem vai ao cinema...................../como quem sai da cadeia,/
Como quem planta um roçado..................como quem volta da feira...”
Alceu Valença em “................................”


“eu nunca te disse/ não tem onde caiba/.......................sim..................../serei pra sempre o teu cantor.”
Caetano Veloso em “..................”


“... e hoje em dia,/como é que se diz...................”
Legião Urbana em “vamos fazer um filme”


“............................calado/como quem houve uma sinfonia/de silêncio e de luz”
Lulu Santos em “certa coisas”

É... Não deu. Realmente, tem certas coisas que eu não sei dizer...

sábado, 15 de setembro de 2007

As Mil e Uma Noites


“... E pra piorar, quem te governa não presta.”
Barão Vermelho em “declare guerra”


Na década de oitenta, os Paralamas do Sucesso lançaram uma música chamada “Luiz Inácio e os 300 picaretas”. A letra de Herbert Viana fazia alusão a uma declaração de Lula, então deputado federal, de que o congresso nacional era formado por “trezentos picaretas com anel de doutor”. É impressionante como, cerca de quinze anos depois, a letra da canção continue tão atual, vide os últimos episódios de corrupção no governo, culminando na absolvição do senador Renan Calheiros na semana que passou.
Um dos primeiros versos da canção diz assim: “eles ficaram ofendidos com a afirmação/ que reflete na verdade o sentimento da nação”. E o sentimento da nação, expresso em e-mails dirigidos ao senado, e aos jornais de todo o país logo após a vergonhosa absolvição, foi de vergonha e indignação. Só que, como cantou o Skank, “a nossa indignação é uma mosca sem asas./não ultrapassa a janela de nossas casas”. E a canção dos Paralamas continua com o seguinte verso: “É lobby, é conchavo, é propina, é jetom./variações do mesmo tema sem sair do tom...”. Incrível, não é? Parece que a música foi escrita esses dias, pois nunca se viu tantos lobbys, conchavos e propinas rolando nos três poderes que regem a nossa pátria. E a letra continua: “Brasília é uma ilha, eu falo porque eu sei./uma cidade que fabrica suas próprias leis”. Todas as leis em benefício de vossas excelências, diga-se de passagem.
“Parabéns coronéis! Vocês venceram outra vez./o congresso continua a serviço de vocês...”. Eis aí outro verso da mesma canção que parece ter sido feito ontem. O povo já está cansado de ver aquele bando de larápios engravatados usando o congresso e o senado em benefício próprio. Enquanto isso, fora da “ilha”, é apagão pra tudo quanto é lado: na saúde, na educação, na segurança, apagão aéreo e apagão de ética e decência em Brasília. O verso seguinte é assim: “Papai, quando crescer eu quero ser “anão”,/pra roubar, renunciar e voltar na próxima eleição...”. O verso, irônico, refere-se ao episódio dos chamados “anões do orçamento”, no qual a corja que sempre anda por aquelas bandas surrupiou o dinheiro da viúva (como sempre). Talvez, se o Herbert escrevesse a letra hoje, ele substituiria “anão” por “mensaleiro” ou “sanguessuga”, mas a essência seria a mesma.
Na seqüência, vêm os seguintes versos: “Se eu fosse dizer nomes, a canção era pequena:/João Alves, Genebaldo, Humberto Lucena...”. Se o Herbert fosse citar todos os nomes hoje, a letra da canção seria mais longa do que a de “faroeste caboclo” da Legião. Haja espaço para nomes como o do próprio Renan, Joaquim Roriz, Roberto Jefferson, José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares, Antônio Palocci e etc. E o que mais dói, é saber que, assim como os “anões do orçamento”, nenhum deles vai pra cadeia. Afinal, como diz o último verso da música: “Ladrão que rouba ladrão, e ainda recebe concessão/ de rádio FM e Televisão.”
A situação só é diferente por um detalhe: o mesmo Lula que disse a frase que inspirou a canção, naquela época era “pedra”, e agora virou “vidraça”. E, em seu silêncio presidencial diante disso tudo acaba tornando-se parte do todo, uma espécie de “Ali-Babá e os trezentos ladrões”( tai um bom título para uma nova canção sobre o mesmo tema), afinal, quem cala consente...

sábado, 8 de setembro de 2007

O Nome, A Cor e a Flor


“queixo-me às rosas./ que bobagem, as rosas não falam,/simplesmente as rosas exalam/ o perfume que roubam de ti.”
Cartola, em “as rosas não falam”




Rosa no nome, rosa na cor, rosa na flor... o “pink” do Pink Floyd não se referia à cor. O nome Pink Floyd era uma homenagem aos dois bluesmans favoritos de Syd Barret: Pink Anderson e Floyd Council. Rosa no nome também tem o Samuel do Skank, uma das grandes bandas da geração 90. Da geração 80/90 tem também o Gun’s n’ Roses, mas, muito antes deles o mundo sempre foi dividido entre armas e rosas. E teve até uma arma que virou rosa... não, não me refiro à flor e sim à “rosa de Hiroshima, a rosa hereditária/a rosa radioativa, estúpida, inválida/a rosa com cirrose a grande rosa cálida” como cantaram os Secos e Molhados; e contra essa rosa, a geração “flower power” despejou canções floridas, com pacifistas como Jonh Lennon e Bob Dylan.
A pantera do rock and roll nunca foi cor-de-rosa. A banda Pantera, liderada pelo mal encarado Phil Anselmo, mandou letras negras como “cowboys from hell” e “cemetery gates”, mas o som do rock foi surrealisticamente rosa, pelo menos em um dos últimos discos de estúdio do Pato Fu, que foi batizado de “ruído rosa”.
Rita Lee cantou: “por isso não provoque./é cor de rosa choque...” na letra de uma das mais célebres canções em homenagem a mulher. Mas tem gente que acha que a cor “rosa” representa apenas estereótipos de mulher. A patricinha, a boazinha, a frágil, a sensível, destoando assim da imagem da mulher “machona”, da guerreira, da lutadora que as feministas pregam. Mas a mulher tem mesmo esses dois lados, como bem cantou a Rita em outra parte da canção exaltando o “sexo frágil” que não foge à luta.
O nome da..., a cor de..., e pra não dizer que não falei de flores, foi a Ana Carolina quem disse (na canção intitulada “rosas”) que toda mulher gosta de rosas. E vale lembrar o cenário florido no qual o Nirvana gravou seu “acústico MTV”: Todas aquelas rosas e aquela iluminação fúnebre parecia um velório antecipado de Kurt Cobain. E o clip da música “perfeição” da Legião Urbana, com Renato Russo deitado na relva e as pétalas de rosa caindo sobre ele, fazendo lembrar um poema em que Fernando Pessoa pedia: “...coroai-me de rosas”. E em matéria de rock Brasil, Renato é o rei. Coroai-o ... de rosas.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Armas e Rosas


“A minha alma está armada/e apontada para a cara do sossego...”
O Rappa em “ minha alma”






Há alguns anos atrás, foi realizado um referendo sobre a proibição ou não da venda de armas de fogo no país. A maioria da população votou pelo “não”, achando que a proibição desarmaria apenas a população de bem, deixando-a ainda mais indefesa diante da bandidagem, e que isso não resolveria o problema da violência. Isso foi há uns dois ou três anos mais ou menos (na época eu votei pela proibição), e de lá pra cá pouca coisa mudou e a violência continua.
Quando Pablo trouxe a famosa “Winchester 22” para seu primo João de Santo Cristo, com certeza não sabia o fim trágico do final da canção, já que a arma derrubou de uma vez o triângulo amoroso: “...e Santo Cristo com a winchester 22/deu cinco tiros no bandido traidor/Maria Lúcia se arrependeu depois/e morreu junto com João, seu protetor...”. Mas esta estória ilustra bem de onde vem a maioria das armas em circulação no país: Pablo era um traficante peruano que vivia na Bolívia, e a arma foi contrabandeada como acontece na maioria das vezes na vida real. Isso quando não são os próprios policiais que apreendem armas e depois as vendem para os meliantes. Pelo jeito que falam por aí, até parece que tem uma loja de armas em cada esquina, ( eu pelo menos nunca vi uma em toda a minha vida) e que proibindo o comércio de armas de fogo vão acabar com o problema da violência.
Tudo bem, se diminuir um pouco já é alguma coisa, e quanto menos armas estiverem em circulação, menos teremos chances de que algumas delas caiam nas mãos dos “Mark Chapmans” da vida, e assim, vidas de muitos “Jonh Lennons” sejam poupadas, pois o “pop” não poupa ninguém e até o Papa levou um tiro à queima roupa. E o próprio Marcelo Yuka, autor dos versos que eu citei no início, se tornou uma vítima dessas malditas.
Elton Jonh pediu: “don’t shoot me I’m only a piano player” (não atire em mim, sou apenas um pianista) e Bob Marley atirou no xerife (“I shot the sheriff”), mas confessou que não atirou para matar (“but I did not shot to death”) e o Aerosmith cantou a saga de uma pistoleira chamada Jane (“Janes got a gun”) mas existem outros tipos de armas além das de fogo: palavras são armas (tem até uma banda de Hip Hop chamada Calibre Verbal) e até a música é uma “arma” . Roberta Flack até cantou naquela balada brega: “killing me softly with this song” e o U2 tem uma belíssima canção do álbum “The Joshua Tree” chamada “one tree hill” que tem os seguintes versos: “no nosso mundo, um coração de trevas,/uma zona de fogo/onde os poetas deixam seu coração falar,/e então sangram.../Jara cantou, e sua canção era uma arma/nas mãos do amor./você sabe que seu sangue continua gritando do chão.”. E não poderiam faltar os Beatles que têm uma canção chamada “happiness is a warm gun” (a felicidade é uma arma quente) da fase psicodélica da banda, em que as letras eram em sua maioria feitas sob o efeito de LSD, por isso, quando Jonh Lennon canta: “when I hold you in my arms/and I feel my fingers on your trigger” não se sabe bem se ele está se referindo a uma arma ou a uma pessoa.
...e a continuação da canção do Rappa diz: “pois paz sem voz não é paz, é medo”. Poderíamos então encarar esse referendo que aconteceu como “a voz da paz”? Talvez sim, porém é um grito ainda muito sufocado pela violência reinante. Devemos amplificar nosso grito, até que o som de “give peace a chance” seja mais audível do que o daquele instrumento que sempre dá a mesma nota: “Ra-tá-tá-tá!”.



PS. Mas se depois de ler o texto você ainda quiser me atirar, mate-me logo, à tarde, às três, à noite eu tenho um compromisso e não posso faltar, por causa de você... (essa é do Belchior)