Wellcome

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Frágil


"vem, mas demore a chegar..."

Raul Seixas em "canto para minha morte"



Dia desses eu cheguei em casa por volta das 13 horas, vindo do trabalho. Então eu me deitei para tirar um cochilo, já que eu estava cansado e sonolento por ter acordado às 4 da manhã. Foi aí que um pernilongo chato começou a me perturbar zumbindo no ouvido direito, depois no esquerdo e sempre esquivando-se dos meus safanões. Num determinado momento ele pousou no meu braço direito, dando-me a chance de tentar acertá-lo com a mão esquerda. Desferi o tapa que causou um estalo e uma ardência no braço esquerdo, porém, não sei se consegui acertá-lo. O fato é que dormi, não sei se por ter matado o mosquito, ou se, vencido pelo cansaço, acabei "apagando" de tal forma que nem o chato do pernilongo conseguiu me acordar.


Duas horas depois, ao acordar, fiquei um pouco na cama filosofando a respeito daquele mosquito. Com todo esse caos que a cidade do Rio de Janeiro está vivendo por causa da epidemia de dengue, com a mídia noticiando mais casos fatais a cada dia, a gente acaba ficando meio neurótico por causa de qualquer mosquito que apareça. E eu pensei comigo mesmo: "Aquele poderia ter sido um Aedes aegypti, e ele poderia estar infectado e me picado durante o sono. Eu poderia adoecer por causa disso, e a doença poderia complicar e eu me tornar, assim, uma vítima a mais da dengue no Rio. Aquele insetozinho insignificante poderia ser o meu anjo da morte, o portador de minha passagem para o além."


Oh dona morte! Quantas facetas tu possuis? Às vezes tu chegas com estardalhaço enorme, como em um atentado terrorista ou em um desastre aéreo; Às vezes chegas sorrateira e silenciosa(bem, nem tão silenciosa assim. Tem aquele "zuuuum" no ouvido.) nas asas e no ferrão de um simples mosquito. A diferença é que nas guerras e nos desastres de grandes proporções tu ceifas por atacado, e nas epidemias tu vais colhendo as vidas uma a uma como quem colhe flores em um jardim. Mas há que se desfazer uma injustiça. O Aedes aegypti, que tem sido considerado o grande vilão, ele mesmo não mata. Ele apenas é o Vector, o portador do vírus(isto é, se estiver infectado) chamado Flaviviridae. Esse sim é o que causa todo o estrago no corpo humano podendo levar à morte. O mosquito apenas faz aquilo que todo mosquito fêmea faz(os machos alimentam-se de frutas), pois eles(ou elas) precisam de sangue para o amadurecimento dos ovos. Portanto, eles estão apenas cumprindo o seu ciclo biológico. E se o Osama Bin Laden resolvesse mandar uma carta com um pozinho branco contendo Antraz para o George Bush, o envelope não teria culpa nenhuma. Ele seria apenas o meio de transporte. Da mesma forma acontece com o Aedes e o vírus da dengue.


Feita a defesa do mosquito(que coisa hein! eu fiz a defesa do danado que poderia ter causado minha morte) eu continuo minha dissertação pensando que há algum tempo costumávamos colocar grades em nossas janelas para proteger-nos de ladrões e salteadores, os quais muitas das vezes são também assassinos. E hoje em dia, somos obrigados a por também telas finas nas janelas para o mosquito não entrar. Lembro-me também de que, mais de uma vez foi cogitada a possibilidade de as forças armadas serem chamadas para combater os perigosos traficantes nos morros cariocas. Mas, o governo estadual achou que não seria necessário. E hoje, contra um inimigo muito menor e aparentemente mais frágil, já que o mosquito não possui armamentos pesados de uso exclusivo das forças armadas como os traficantes possuem, as forças armadas foram chamadas com urgência para entrar na guerra contra a dengue.


E, falando de música, que é o que eu sempre faço, voltamos à música de Raul Seixas, cujo trecho eu citei na introdução: Nessa música, Raulzito lista uma série de situações fatais que acontecem diariamente ao nosso redor: "um acidente de carro, o coração que se recusa a bater no próximo minuto, a anestesia mal aplicada, a vida mal vivida...ou o escorregão idiota num dia de sol, a cabeça no meio-fio...". E quando ele cita essa do escorregão, voltamos a questão das mil facetas de dona morte, como o próprio Raul canta em um dos versos: "com que rosto ela virá?" E nos faz lembrar de mortes absurdas como a do poeta Ésquilo, que morreu ao ser atingido na cabeça por uma tartaruga que estava sento trasportada por uma ave de rapina e que escapuliu das garras da tal ave; ou do filósofo grego Crísipo que morreu de tanto rir ao ver um burro comer alguns figos que seriam servidos de sobremesa.


E assim, entre guerras, atentados, tragédias, mosquitos, vírus, traficantes, tartarugas e risadas, tudo isso me fez lembrar de um trecho de uma música do Sting, e com ela encerrar o texto: "...quão frágeis somos nós"

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